quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O VALOR DAS PALAVRAS

                         A PALAVRA NOVA EM FOLHA
                                                          Gabriel Perissé*

Numa sociedade desmoralizada, a primeira coisa que começa a cheirar mal são
as  palavras.  A  linguagem  apodrece,  e  é fácil detectar o mau hálito de
alguns  livros, cartas, discursos, conversas, letras de música, contratos,
monografias,  roteiros  de  TV,  relatórios,  palestras,  e até de singelos
cartões de Natal!

A  decomposição verbal se manifesta em exemplos corriqueiros, e às vezes os
culpados  são  mais  vítimas  do que criminosos. O vestibulando que escreve
"séquiço"  na redação demonstra sua carência ortográfica, e sua pouquíssima
leitura sobre o tema. Dupla irresponsabilidade!

A  aeromoça  que  diz "muito obrigado" revela uma insuficiente concordância
com a gratidão.
A  colunista  social  que  noticia:  "Fulaninha  de  Tal  casou-se  com uma
cerimônia maravilhosa" esqueceu do marido, mero adereço do tapete vermelho,
do coro e do mercedes à porta da igreja.
O “Office boy “que pergunta: "Você quer que eu tiro xerox?" perdeu o presente
do subjuntivo, e a capacidade de criar hipóteses.
O empresário que alardeia estar "correndo atrás do prejuízo" desorientou-se
profissionalmente.
O  camelô  que  grita: "Brinquedo 2 real!" há muito tempo não vê o dinheiro
pluralizar-se.
O  professor  universitário  que  repete  "a  nível  de  Brasil, a nível de
política, a nível de governo" não chegou ao nível superior.

Falar  e  escrever  melhor  pressupõem  a observação lúcida da realidade, a
leitura  de bons autores, o diálogo com pessoas inteligentes e o cultivo de
opiniões vivas.

Nietzsche  comparava  as  opiniões  vivas  aos peixes vivos, que precisamos
pescar,  utilizando  a  técnica  adequada, tendo paciência e contando com a
sorte.  Um  texto,  uma  exposição  verbal  vivos  não provêm de estruturas
fossilizadas  ou,  pior,  de  peixes que bóiam no aquário das convicções, e
exalam o cheiro podre dos lugares-comuns.

Uma  sociedade  que deseja recompor-se precisa construir uma linguagem nova
em  folha,  própria  dos  que  redescobrem  a  pureza do sexo, a ousadia da
gratidão,  a aventura do casamento, as exigências do trabalho, a verdadeira
função do lucro, o papel da universidade etc.

Uma  pessoa  que deseja expressar-se com mais criatividade e bom senso deve
seguir  o  conselho  de  Clarice  Lispector  que, escritora e dona de casa,
segredou  certa  vez:  "Todos  os dias, quando acordo, vou correndo tirar a
poeira da palavra amor."

Fonte:
http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=2&rv=Colunistas

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