A PALAVRA NOVA EM FOLHA
Gabriel Perissé*
Numa sociedade desmoralizada, a primeira coisa que começa a cheirar mal são
as palavras. A linguagem apodrece, e é fácil detectar o mau hálito de
alguns livros, cartas, discursos, conversas, letras de música, contratos,
monografias, roteiros de TV, relatórios, palestras, e até de singelos
cartões de Natal!
A decomposição verbal se manifesta em exemplos corriqueiros, e às vezes os
culpados são mais vítimas do que criminosos. O vestibulando que escreve
"séquiço" na redação demonstra sua carência ortográfica, e sua pouquíssima
leitura sobre o tema. Dupla irresponsabilidade!
A aeromoça que diz "muito obrigado" revela uma insuficiente concordância
com a gratidão.
A colunista social que noticia: "Fulaninha de Tal casou-se com uma
cerimônia maravilhosa" esqueceu do marido, mero adereço do tapete vermelho,
do coro e do mercedes à porta da igreja.
O “Office boy “que pergunta: "Você quer que eu tiro xerox?" perdeu o presente
do subjuntivo, e a capacidade de criar hipóteses.
O empresário que alardeia estar "correndo atrás do prejuízo" desorientou-se
profissionalmente.
O camelô que grita: "Brinquedo 2 real!" há muito tempo não vê o dinheiro
pluralizar-se.
O professor universitário que repete "a nível de Brasil, a nível de
política, a nível de governo" não chegou ao nível superior.
Falar e escrever melhor pressupõem a observação lúcida da realidade, a
leitura de bons autores, o diálogo com pessoas inteligentes e o cultivo de
opiniões vivas.
Nietzsche comparava as opiniões vivas aos peixes vivos, que precisamos
pescar, utilizando a técnica adequada, tendo paciência e contando com a
sorte. Um texto, uma exposição verbal vivos não provêm de estruturas
fossilizadas ou, pior, de peixes que bóiam no aquário das convicções, e
exalam o cheiro podre dos lugares-comuns.
Uma sociedade que deseja recompor-se precisa construir uma linguagem nova
em folha, própria dos que redescobrem a pureza do sexo, a ousadia da
gratidão, a aventura do casamento, as exigências do trabalho, a verdadeira
função do lucro, o papel da universidade etc.
Uma pessoa que deseja expressar-se com mais criatividade e bom senso deve
seguir o conselho de Clarice Lispector que, escritora e dona de casa,
segredou certa vez: "Todos os dias, quando acordo, vou correndo tirar a
poeira da palavra amor."
Fonte: http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=2&rv=Colunistas
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